Mãe com deficiência, saiba quais são os maiores desafios
A maternidade é um desejo de grande parte das mulheres, seja pela vontade de constituir uma família e dar continuidade à linhagem ou pela experiência do tão comentado “amor incondicional de mãe’. Os motivos não faltam.
E quando o assunto é mulheres com deficiência, esse desejo não é diferente. Ainda que pouco comentado, a vontade de ser mãe é um desejo latente para uma boa parte desta parcela da população.
Porém, o tema da maternidade vem acompanhado de outras questões, muito polêmicas e que ainda geram tabu em relação a mulheres com deficiência: a sexualidade da mulher e a capacidade e autonomia que uma pessoa com deficiência pode ter para cuidar de uma criança.
Infelizmente, a falta de informação e o capacitismo fazem com que estas questões gerem dúvidas e inseguranças nas mulheres com deficiência, fazendo com que muitas abandonem o sonho de gerar uma vida.
Entretanto, é preciso dizer que a maternidade pode ser sim uma realidade para mulheres com deficiência. E para falar sobre a sua experiência de ser mãe com deficiência, nós conversamos com a influenciadora digital Suh Calixto, do @onerdeacadeirante.
Quem é Suh Calixto?
Suellen Calixto, mais conhecida como Suh, é influenciadora digital e mãe com deficiência. Suh possui uma distrofia muscular, chamada de doença de Charcot-Marie-Tooth, que afeta principalmente os membros inferiores, mas também pode afetar outras partes do corpo, como as mãos e as cordas vocais. Desde de os 16 anos de idade, utiliza a cadeira de rodas para se locomover.
Ela, junto com o seu marido William, compartilham o dia a dia de mãe e esposa através do seu canal no Youtube, O nerd e a Cadeirante. Em seu perfil no instagram, @onerdeacadeirante, ela aborda com muito humor, dicas de relacionamento, maternidade e comenta situações comuns do dia a dia da pessoa com deficiência.
A maternidade para mulheres com deficiência
A ideia da maternidade está presente no inconsciente de todas as mulheres. É ensinado desde muito cedo que a base familiar é a coisa mais importante da vida e isto significa que a mulher precisa constituir uma família, com marido e filhos para ser feliz em sua plenitude.
Este é um conceito antigo e que está profundamente enraizado na sociedade. A pressão social para que as mulheres se tornem mães, faz parte do cotidiano de qualquer mulher. A não ser que ela tenha uma deficiência.
Para as mulheres com deficiência são negados os direitos da maternidade. Isto porque a sociedade ainda acredita que a deficiência limita a capacidade da mulher de ser mãe, ou seja, ainda é comum que mulheres com deficiência sejam vistas como alguém para ser cuidada e não como alguém que cuide.
Além disso, a elas também é negada a sexualidade, outra questão polêmica que está diretamente ligada à maternidade. Como é possível uma mulher com deficiência ser mãe se ela não pode se relacionar sexualmente?
É o que conta Patrícia Lorette, também influenciadora e pós graduada em saúde mental: “Então quando você tem essa visão da pessoa com deficiência como criança, você acaba achando que ela não tem o direito de vivenciar a sexualidade e o sexo.”
Confira a entrevista completa de Patrícia sobre a autoestima e sexualidade das mulheres com deficiência.
A experiência de ser uma mãe com deficiência
A ideia de incapacidade construída em torno das mulheres com deficiência acaba gerando uma série de inseguranças e medos, que muitas vezes fazem com que elas desistam do sonho da maternidade.
Em entrevista com a influencer digital Suellen Calixto, ela conta que o maior medo ao descobrir a gravidez, foi de não conseguir cuidar do próprio filho e precisar de ajuda para realizar as tarefas simples do dia a dia.
Ela também diz que outra questão preocupante era a perda de autonomia sobre a educação do filho: “[um medo] Eu não conseguir cuidar do meu filho e acabar precisando muito de alguém e assim a pessoa se sentir na liberdade de se meter na educação do meu filho.”
Sobre a Gestação
Durante a gestação, Suellen não teve nenhum problema fora do esperado para a gravidez: “Tive enjoos, azia, dor de cabeça, tive meus momentos de chatice e de choro por causa dos hormônios”, conta.
Quando questionada sobre qual foi o pior momento da gestação, ela diz que a partir da 28ª semana, devido ao peso e ao tamanho da barriga, perdeu parte da mobilidade de tronco e do abdômen, o que dificultou a sua locomoção e as transferências da cadeira para outros lugares.
Suh Calixto, como é conhecida nas redes sociais, conta que Théo (seu filho), nasceu prematuramente e por conta disso, teve problemas durante o parto. “Me deram medicamento para inibir o parto, porque eu estava na 33° semana da gestação, mas mesmo assim, o Théo [o filho] quis sair.”
“Ele entrou em sofrimento fetal e tivemos que fazer uma cesárea de emergência. Meu filho nasceu ‘roxinho’ e precisou de massagem cardíaca até voltar a respirar. Ele ficou internado por dois dias na UTI e mais 15 no berçário por contrair uma infecção durante o tempo que ficou na UTI. Foi um período muito difícil, mas graças a Deus ele saiu e foi dando tudo certo.”
A maternidade
Os primeiros dias de um bebê são muito difíceis para qualquer mãe, nesse período, ela precisa alterar toda a sua rotina, sofre privação do sono e ainda precisa lidar com as questões hormonais, como a produção de prolactina em grandes quantidades.
A prolactina é o hormônio responsável por estimular a produção de leite durante a amamentação, porém, a sua produção em grandes quantidades causam ansiedade e depressão nas mulheres.
Além disso, a mãe precisa atender a todas as necessidades da criança, que também passa por um período de adaptação estressante e precisa de constante cuidado e atenção.
Os primeiros dias não são legais, porque é uma rotina totalmente diferente. “[…] ficar 12 dias com um recém-nascido por perto é uma coisa, outra coisa é você ter aquela responsabilidade com recém-nascido. Porque ele tem cólicas, ele também não está acostumado com o mundo aqui fora e merece muita atenção.” Diz a influencer.
Ela também conta que se sentiu insegura nos primeiros dias teve medo de pegar o filho sozinha (por conta das suas limitações físicas), mas que aos poucos ela e o filho foram se adaptando um ao outro.
Entre os problemas que enfrentou na maternidade por conta da deficiência, Calixto diz que a família a ajudou muito, porém, na intenção de ajudar, acabaram realizando as tarefas no de mãe que cabiam a ela.
Esta atitude por parte dos familiares tirou parte da sua autonomia como mãe com deficiência e dificultou a criação do seu vínculo de mãe e filho com Théo. Suellen, que morava nos fundos casa da mãe, precisou se mudar e com a ajuda do marido, ela pode se adaptar e descobrir novas formas de driblar as limitações.
Adaptação
Ao se mudarem para a nova casa, o marido de Suh, William, pediu demissão do emprego para participar mais ativamente da criação do filho “Meu marido chegou e tomou uma decisão: ele disse ‘vou pedir demissão do serviço e te ajudo com Théo, porque eu não tive filho para outras pessoas cuidarem. Eu acredito na sua capacidade e eu sei que a gente consegue sozinho’.”
A maternidade também ajudou a influenciadora a acreditar mais em si mesma. Ela conta que parou de encontrar desculpas e buscou formas se adaptar e realizar as tarefas de cuidado com o filho sozinha.
Ela conta que o processo não foi fácil, mas que com calma e paciência foi possível vencer fase por fase e encontrar sua própria maneira de cuidar do filho.
“Uma dica que eu dou para todas as mães, principalmente as com deficiência: Tente antes de falar que não consegue. Você pode achar que as outras pessoas podem dar para o seu filho aquilo que você não pode, mas nada supera o amor de uma mãe, o cuidado de uma mãe, seja ela qual for. Eu vejo pelo meu filho, mesmo desde novinho quando eu comecei a tentar ele foi se adaptando a mim e à minha deficiência de uma forma surreal, que eu só posso dizer que é Deus mesmo.”
A pressão social e o julgamento
Quando uma mulher se torna mãe, a sociedade passa a vê-la como um modelo a ser seguido. Ela deixa de ser humana e passa a ser algo sagrado. Esse comportamento social acaba criando uma pressão muito grande para que as mães sejam perfeitas.
Esse mito da perfeição faz com que se torne proibido falar qualquer coisa que possa retratar a maternidade como algo ruim, esgotante ou penoso.
Cada vez mais, atrizes, influenciadoras digitais e personalidades vem falando sobre a maternidade real, aquela onde a mãe erra, cansa, chora e muitas vezes fica ‘de saco cheio’ de ser mãe, ainda que não deixando de amar incondicionalmente os filhos.
Mas todo esse julgamento em cima das mulheres é amplificado em pessoas que tem deficiência.
Mãe com deficiência
Mães com deficiência precisam provar o tempo todo que são capazes de cuidar dos próprios filhos e que não precisam de ajuda constante de outra pessoa para isto.
“Me senti muito julgada, senti muita falta de empatia das pessoas, senti muita diferença no tratamento, uma desigualdade das pessoas. Até hoje elas se metem na educação do meu filho e eu não vejo ninguém fazendo isso com filho de ninguém. […] eu já senti olhares de pessoas como se tivessem dizendo “gente que loucura”. Principalmente quando souberam que o meu parto foi prematuro: ‘Pessoa com deficiência também né, queria mais o que, né?’. Não foram ditas essas palavras, mas o olhar diz muito.” conta Calixto.
Mas independente dos olhares julgadores e das dificuldades, a dita ‘maternidade real’ pode ser incrivelmente recompensadora e pode proporcionar experiências indescritíveis para quem se propor a aceitar o desafio.
Você também pode ler nossa entrevista com Patrícia Lorete, escritora, pós graduada em saúde mental e militante dos direitos das pessoas com deficiência, sobre a sexualidade da pessoa com deficiência.
Na entrevista, Patrícia conta sobre seus e-books para mulheres com deficiência onde ela aborda autoestima, sexualidade, maternidade e vários outros assuntos relacionados à mulher.